Embora distante do Centro da cidade, o bairro de Santa Cruz reúne um tesouro arquitetônico, oriundo principalmente dos períodos colonial e imperial. Nele, está o primeiro ecomuseu do Rio de Janeiro e o segundo do Brasil. O conceito de ecomuseu abrange o território, o patrimônio cultural, a população e o acervo. O Ecomuseu de Santa Cruz foi criado pela Lei Municipal nº 2.354, de 1º de setembro de 1995. Fazem parte dele o Palacete Princesa Isabel, as Ruínas do Matadouro, as antigas Vilas Operárias, o hangar do Zeppelin, a sede da Fazenda de Santa Cruz e a Ponte dos Jesuítas.
Segundo a gerente do Ecomuseu, Heloísa Helena Queiróz, além das ações desenvolvidas regularmente pela instituição, como apresentações teatrais e oficinas educativas, uma exposição itinerante passou a acontecer em espaços comunitários, educacionais e culturais da área, a partir de 2013.
– Sabemos que o carioca pouco sabe de sua cidade e muitos ainda desconhecem a própria história. Por isso, o trabalho desenvolvido pelo Ecomuseu é tão importante, pois auxilia a divulgar e a preservar o patrimônio da região – diz Heloísa.
A Baixada de Santa Cruz era povoada por índios da etnia tupi-guarani, que adotavam o nome Piracema – ou “lugar de muitos peixes” – para a região. A partir da ocupação portuguesa, a área foi doada a Cristóvão Monteiro, que apoiou o governador-geral Mem de Sá no combate à invasão francesa ao Rio de Janeiro, de 1555 a 1567. Em 30 de dezembro de 1567, o fidalgo tomou posse da sesmaria, que viria a se chamar Fazenda de Santa Cruz, e mandou construir, na localidade conhecida como Curral Falso, um engenho e uma capela.
Depois da morte do proprietário, as terras foram herdadas pela esposa, a Marquesa Ferreira, e pela filha, Catarina Monteiro. Em 1589, a marquesa doou sua parte da fazenda à Companhia de Jesus, como esmola aos padres de Santo Inácio, a fim de que intercedessem em favor da alma do finado marido. No ano seguinte, os jesuítas conseguiram que Catarina trocasse o restante de suas terras por propriedades em Bertioga, no caminho de São Vicente, em São Paulo. Eles continuaram adquirindo terras vizinhas, até que a fazenda chegou a ter uma extensão que ia de Sepetiba a Vassouras, abrangendo a região em que hoje se situa o município de Itaguaí.
Sob a gestão dos padres, responsáveis pela ocupação definitiva do território, o latifúndio se tornou o mais desenvolvido de toda a Capitania Real do Rio de Janeiro, com milhares de escravos, pecuária extensiva e culturas agrícolas gerenciadas por formas de manejo bastante avançadas para a época. A igreja e o convento ostentavam obras de arte, e no terreno havia, ainda, hospedaria para viajantes, moradia para os pobres, um hospital e escolas profissionalizantes, com destaque para o ensino da música – a escola dispunha de orquestra e coral integrados por escravos, o que deu origem ao primeiro conservatório musical do país.
Foram também os religiosos que abriram o chamado Caminho dos Jesuítas, que ligava a região ao centro da cidade do Rio, e que mais tarde iria se tornar a Estrada Real de Santa Cruz. Começando em São Cristóvão, a Estrada corresponde hoje às avenidas Dom Helder Câmara, Ernani Cardoso, Intendente Magalhães, Marechal Fontenelle, de Santa Cruz e Cesário de Melo, e à Rua Felipe Cardoso. Além disso, os jesuítas realizavam obras arrojadas de engenharia, em especial pontes, diques e outras, de irrigação e de drenagem das áreas alagadas pelo Rio Guandu e afluentes. Deste período, se destaca a chamada Ponte dos Jesuítas, erguida em 1752 para regular o volume do Rio Guandu, e que é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
A ponte-represa era dotada de um sistema de comportas de madeira para controle do fluxo das águas. No campo abaixo, era cultivado o arroz, enquanto nas terras mais altas ficavam os pastos para 13 mil cabeças de gado. A ponte apresenta quatro arcos e é ornamentada por colunas de granito com capitéis em forma de pinhas portuguesas. Ela tem, na parte central, esculturas barrocas e uma espécie de brasão com o símbolo da Companhia de Jesus (IHS), a data de 1752 e uma citação em latim, que diz: “Dobra o teu joelho diante de tão grande nome, dobra-o, viajante. Porque também aqui, refluindo as águas, se dobra o rio".
Um cruzeiro instalado pelos jesuítas acabou dando o nome ao bairro. No período do Império, a cruz original foi substituída por outra menor. Atualmente, existe uma réplica no mesmo local. Ao redor do cruzeiro, no tempo dos religiosos, todo mês de maio se realizava uma festa pelo Dia da Sagração da Santa Cruz, da qual participavam também os escravos: havia missas, bênçãos, ladainhas e procissão, além de cantos e danças no período da noite.
Quando, em 1759, os jesuítas foram expulsos do Brasil pelo Marquês de Pombal, a Fazenda de Santa Cruz reverteu à coroa portuguesa, ficando sob a administração dos vice-reis. A partir de 1808, se tornou um local de veraneio para a família real. O antigo convento foi adaptado e se transformou em Paço Real, sendo renomeado como Palácio Real e Imperial de Santa Cruz, onde cresceram e foram educados os príncipes-regentes d. Pedro e d. Miguel. A estrada que ligava a Fazenda a São Cristóvão ganhou um serviço regular de carruagens que facilitou o acesso de comerciantes, pintores, botânicos e mineralogistas europeus como Georg von Langsdorff, Debret e von Martius.