Entre os 160 bairros do Rio de Janeiro, só um criou seu gentílico próprio: o dos “tijucanos”! Seja por seu passado de localidade aristocrática, seja pelo apego de quem nasce no bairro ou escolhe viver ali, a Tijuca preserva, há gerações, um forte traço identitário. Sua rica história se confunde com a da própria fundação da cidade, a partir da expulsão dos franceses, em 1565. Passado o evento, Estácio de Sá doou uma área muito extensa à Companhia de Jesus. Nela, os jesuítas implantaram dois grandes engenhos de açúcar: o Engenho Velho e o Engenho Novo.
Passados quase 200 anos, em 1759, tudo o que pertencia à ordem religiosa foi incorporado aos bens públicos e, com isso, as terras com melhor localização foram arrendadas a famílias abastadas, brasileiras ou estrangeiras. Essas fazendas e chácaras tinham a seu favor a proximidade com o verde e a altitude, o que era ideal para fugir do calor e, também, das epidemias recorrentes, concentradas no entorno do Centro.
O acesso difícil ao relevo montanhoso do Maciço da Tijuca manteve o local praticamente intocado até mesmo para os habitantes originais da região, que eram os índios tupinambás, também conhecidos como tamoios. No entanto, apesar do péssimo estado dos caminhos até o Alto da Boa Vista, no século XIX já havia quem organizasse passeios e excursões até lá. Segundo a historiadora Lili Oliveira, em 1810 o conde Gestas veio da França e comprou um sítio na área onde hoje fica a Floresta da Tijuca, o qual batizou de Boa Vista. Passou a cultivar café, cana-de-açúcar, hortaliças e frutas, além de criar vacas da Normandia e fabricar manteiga e creme fresco.
A imperatriz Leopoldina, primeira esposa de d. Pedro I, costumava cavalgar da Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, ao Sítio Boa Vista, para estudar botânica e cuidar de sua coleção de orquídeas. Outro francês que se encantou com a beleza do lugar foi Nicolas Antoine Taunay, membro da Missão Francesa, que chegou em 1816. O pintor comprou do conde Gestas um terreno, no ano seguinte. Graças à clareira aberta por ele para construir sua residência é que se abriu a vista para a cascatinha, batizada de Cascatinha Taunay, em sua homenagem.
“Aos poucos, formou-se, no Alto da Boa Vista, uma concentração de nobres e comerciantes franceses que se dedicavam principalmente à cultura do café”, relata Lili Oliveira. Em médio prazo, a atividade resultou na devastação da floresta e na consequente ameaça aos mananciais que abasteciam a cidade. Por esse motivo, o governo imperial determinou o reflorestamento da região a partir de 1840, só efetivamente implementado por d. Pedro II a partir de 1861.
Quem esteve à frente do projeto até 1874 foi o major Manoel Gomes Archer, primeiro administrador da floresta. Na primeira fase da recuperação, contava apenas com seis escravos: Maria, Leopoldo, Eleutério, Constantino, Manuel e Mateus. Numa segunda fase, 22 trabalhadores assalariados foram incorporados à equipe. O Parque Nacional da Tijuca foi criado pelo Decreto nº 50.932, em 6 de julho de 1961.
A partir do início do século XIX, devido à fartura de água e às extensas áreas livres disponíveis na região, várias indústrias começaram a se instalar na Tijuca. Elas fabricavam tecidos, chapéus, rapé, cigarros, cervejas, laticínios, conservas, gelo e papel, entre outros produtos. Décadas mais tarde, as instalações desativadas passaram a abrigar hipermercados ou shopping centers. Segundo o Censo do IBGE de 2010, a população do bairro é de 163.805 pessoas. Quanto às faixas etárias, os idosos compõem 24,13% desse total (39.531), enquanto os jovens até 24 anos chegam a 25,83% (42.307). As mulheres são maioria numérica, chegando a 56,31% (92.240). A denominação, delimitação e codificação do bairro foram estabelecidas pelo Decreto nº 3.158, de 23 de julho de 1981, com alterações do Decreto nº 5.280, de 23 de agosto de 1985.
A Tijuca e os nomes do bairro
A palavra Tijuca vem da língua tupi e reúne dois termos – ty iuc –, cujo significado seria água parada. Ela batizava a Lagoa da Tijuca, situada na Barra da Tijuca, mas seu uso foi se estendendo até se referir ao vale denominado Freguesia de São Francisco do Engenho Velho, que hoje corresponde à região da Grande Tijuca – Tijuca, Andaraí, Maracanã, Praça da Bandeira, Muda, Usina e Alto da Boa Vista. Largo da Fábrica das Chitas foi o nome da Praça Saens Peña até 1910, em referência a uma antiga fábrica que tingia tecidos de algodão importados da Índia, inaugurada em 1820. A mudança se deveu a uma visita do então presidente da Argentina, Roque Saenz Peña, ao Rio de Janeiro. O Largo da Segunda-Feira foi um nome adotado depois da ocorrência de um crime na localidade, naquele dia da semana, em 1762.
O médico homeopata e empresário inglês Thomas Cochrane, sogro do escritor José de Alencar, foi precursor na tentativa de organizar o transporte urbano no Rio de Janeiro. Os bondes ou carros de tração animal sobre trilhos se chamavam, popularmente, de “carros da Tijuca” ou “maxambombas”. Esses veículos operaram de 1859 a 1862. O nome Muda está ligado aos animais que puxavam os bondes, porque, quando chegavam àquele ponto, eram substituídos e alimentados. Graças ao empreendedorismo de Cochrane, morador do bairro, na Tijuca trafegaram os primeiros bondes da América do Sul.
Em 1862, os carros puxados a burro foram adaptados para o uso do vapor. Bem mais tarde, a força motriz se tornou a energia elétrica. “Os trens da Estrada de Ferro da Tijuca, inaugurada em 1898, partiam do terminal dos bondes de burro, chamado Junção do Elétrico, em direção ao Alto da Boa Vista. Dessa estrada de ferro ficou o nome Usina, derivado da usina térmica geradora de eletricidade”, relata Lili Oliveira.
No período entre o fim do século XIX e o início do século XX, a Tijuca tinha muitos hotéis, usados para moradia, como local de veraneio ou de repouso. A maioria era administrada por estrangeiros. Muitos deles funcionavam em velhos solares, palacetes e mansões. Alguns desses prédios, mais tarde, serviram, também, para instalar escolas públicas ou particulares, como é o caso da E.M. Mário da Veiga Cabral, na Rua Melo Matos, erguida em 1922 para servir de residência a Francisco Cabrita, e que exibe uma imponente escadaria de mármore externa. Escolas municipais antiquíssimas permanecem em plena atividade: E.M. Orsina da Fonseca (1877), E.M. Menezes Vieira (1913), E.M. Soares Pereira (1926). Entre os estabelecimentos particulares, se destaca o Colégio Batista Shepard, fundado em 1908 e que funciona na Rua José Higino desde 1911. Ali estudaram diversas personalidades da cultura brasileira, como os escritores Nelson Rodrigues e Elysio de Oliveira Belchior, as atrizes Alcione Mazzeo e Cláudia Rodrigues, e os políticos Jamil Haddad e Arthur da Távola.
Durante muito tempo, a Tijuca também foi o bairro carioca com o maior número de cinemas, o primeiro inaugurado em 1909, a partir do fornecimento regular de energia elétrica implantado na cidade, no ano anterior. Era o Cine Royal, situado na Rua Haddock Lobo, 20. A construção de novos cinemas se acentuou entre as décadas de 1940 e 1970. O Olinda, de 1942, era o maior cinema da América do Sul, com 3.500 lugares, mas foi demolido em 1970. No lugar onde ele ficava funciona, hoje, um shopping center. Além da paixão pela sétima arte, o tijucano também tem tradição no quesito música. O Bando de Tangarás era de lá. Começou como uma banda de estudantes, em 1928, e incluía futuras celebridades da estatura de Almirante, Braguinha e Noel Rosa.
Nos anos 1960, o Divino Bar, na esquina da Rua Haddock Lobo com Rua Barão de Ubá, era ponto de encontro de jovens talentos. Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléa, Tim Maia e Jorge Benjor frequentavam o local. Por volta da mesma época, em um sobrado da Rua Jaceguai, Ivans Lins, Gonzaguinha e César Costa Filho organizavam reuniões do Movimento Artístico Universitário (MAU). Na atualidade, o bloco Nem Muda Nem Sai de Cima funciona sob a guarda zelosa dos compositores Aldir Blanc e Moacyr Luz, com seus encontros regulares no quartel-general instalado no Bar da Dona Maria, ali na Rua Garibaldi. Bem próximo, aliás, do Centro Municipal de Referência da Música Carioca Arthur da Távola (CMRMCAT). Desde 2007, o espaço é dedicado à criação, à pesquisa e à preservação da memória da música carioca, em suas mais variadas expressões. Situado em um antigo palacete, o CMRMCAT ainda oferece cursos profissionalizantes, oficinas, exposições e realiza espetáculos em gêneros que vão do clássico ao popular.
Tijuca: terra de samba, saúde e fé
Três das mais importantes escolas de samba do Rio de Janeiro são do bairro: a Unidos da Tijuca, fundada em 1931, na comunidade do Borel; o Império da Tijuca, fundado em 1940, na comunidade da Formiga; e a Acadêmicos do Salgueiro, de 1953, da comunidade de mesmo nome. No Morro da Formiga, aliás, morou o compositor preferido de Carmen Miranda. Nascido em Juiz de Fora, em 1911, Synval Silva morou no morro de 1930 até sua morte, em 1994. Foi ele o autor do sucesso Adeus, Batucada e de muitos outros, imortalizados na voz da Pequena Notável.
No bairro existem, também, muitos clubes, a maioria associações de portugueses, como a Casa dos Poveiros ou a Casa das Beiras, que preservam apresentações folclóricas ou promovem bailes. O Clube América, que deu origem ao time do América Football Club, foi fundado em 1904, quando sócios do Clube Atlético Tijuca, dedicado ao ciclismo e às corridas, resolveram experimentar um esporte chamado futebol, que chegava ao país. Poucos anos antes, em 1900, aquela mesma rua, Campos Sales, tinha sido aberta pela Sociedade Hípica Nacional e batizada como Rua do Hipódromo. As corridas de cavalos aconteciam, inclusive, no mesmo terreno onde, depois, viriam a ser disputadas partidas de futebol. Outro clube muito importante no bairro é o Tijuca Tênis Clube, que completa o primeiro centenário de fundação em 2015.
Surpreende na Tijuca a grande quantidade de templos religiosos, por vezes vizinhos, apesar de pertencerem às mais diferentes denominações. O protagonista entre eles é, sem dúvida, a Igreja de São Sebastião dos Frades Capuchinhos, construída entre 1928 e 1931, na Rua Haddock Lobo. O templo abriga vários objetos históricos e artísticos da Igreja dos Capuchinhos do Morro do Castelo, demolida pelo processo de urbanização, em 1922 – guarda o Marco de Fundação da Cidade em pedra, a imagem de São Sebastião da igreja original, a lápide e os restos mortais do fundador do Rio de Janeiro, Estácio de Sá. Muitos hospitais também têm origem em ordens religiosas. Um dos mais antigos é o Hospital Evangélico, na Rua Bom Pastor, cuja sede foi inaugurada em 1912. Na década de 1920, num terreno doado pela família Guinle, foi construído um hospital pioneiro destinado ao tratamento das doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e do câncer: o Hospital Universitário Gaffrée e Guinle.