A experiência foi realizada na E.M. Canadá, localizada no Morro de São Carlos, Estácio, Zona Central da cidade. A escola enfrenta um processo de perdas e lutos provocado pela alta vulnerabilidade da comunidade no enfrentamento da pandemia. O território é dominado por agentes armados e a violência convive com os moradores de forma naturalizada.
Na rede pública, somou-se à sobrecarga dos docentes a preocupação e o sentimento de impotência em relação às dificuldades de acesso dos estudantes às aulas online. Os efeitos da pandemia na saúde mental de professores e alunos envolviam tanto aspectos da vida pessoal quanto externos (relacionados à situação socioeconômica e sanitária do país).
Atendendo a demandas da direção e do corpo docente da escola, promovemos cinco encontros com os professores no formato de rodas de conversa. Nesses encontros, planejamos incluir temáticas relacionadas à realidade vivenciada pelo grupo e acirrada pelo enfrentamento da pandemia e pela violência na comunidade. Falamos sobre:
No primeiro encontro (ocorrido logo depois da morte de uma aluna em acidente amplamente noticiado nas mídias), oferecemos acolhimento coletivo à equipe pedagógica e à direção, ocasião em que ambas puderam externar os desafios que haviam enfrentado com as turmas durante a pandemia – crianças agitadas, agressivas e com dificuldades de convivência. Professores e direção relataram como a perda de alunos desde o ano passado tem mobilizado a equipe docente e contaram como os alunos e a própria equipe vêm elaborando esses lutos.
No segundo encontro, fizemos uma dinâmica em que pedimos que a equipe da escola escrevesse em uma folha de papel a primeira palavra que pudesse ser associada à palavra cuidado. A atividade possibilitou que os professores refletissem não só sobre os cuidados dedicados aos alunos como os cuidados consigo próprios e nas relações no trabalho.
Alguns pontos destacados nesse momento foram a sobrecarga a que ficam submetidas as professoras quando o cuidado envolve filhos, alunos e a relação entre cuidar e ensinar. Os docentes também fizeram ponderações sobre como o cuidado dedicado às crianças é vivido no território.
No terceiro encontro, apresentamos ao grupo imagens que remetem à infância e convidamos cada participante a escolher aquela que mais representasse a sua infância. A atividade possibilitou o resgate de memórias afetivas e a identificação de diferenças e similaridades entre as infâncias das professoras e as de seus alunos. Algumas, entretanto, conseguiram relacionar as memórias de infância a suas escolhas profissionais.
No quarto encontro, apresentamos um vídeo produzido com alunos da escola, com o objetivo de mobilizar uma discussão sobre As infâncias no São Carlos e o papel da escola na construção subjetiva e social das crianças do lugar.
No quinto encontro, a partir do vídeo Território do brincar: diálogos com as escolas, os docentes discutiram de que forma potencializar o espaço do brincar no cotidiano da escola e usufruir todo o seu potencial pedagógico e também como construir esse brincar a partir das infâncias que habitam um contexto urbano atravessado por violências e vulnerabilidades sociais.
Atingimos os objetivos, pois em cada encontro travamos discussões saudáveis acerca das temáticas: as professoras mostraram a importância de expor suas ideias, trocar opiniões e criar estratégias que precisassem ser coletivas para lidar com demandas complexas como a violência, a vulnerabilidade das famílias e o adoecimento dos professores.
Falamos muito da importância do cuidado de cada um com sua saúde mental, do brincar no espaço escolar e até mesmo de promover um ambiente mais saudável na escola. Tivemos notícias de algumas iniciativas que possibilitaram criar momentos mais lúdicos durante o recreio e na própria sala de aula.
Os encontros foram importantes também como mais um espaço para que o grupo pudesse exercitar a discussão entre pontos de vista divergentes e a troca de experiências, fortalecendo, assim, os vínculos e o trabalho em equipe. Tanto a nossa equipe quanto a equipe gestora da escola consideraram necessário para o fazer pedagógico investir na garantia de espaços como estes.
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