Passear pelos nomes das unidades de ensino da Rede Pública do Rio é, praticamente, como visitar um museu repleto de personagens e histórias que guardam a memória da cidade. Na Rua Biarritz, em Bangu, a E.M. Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça (8ª CRE), por exemplo, nos faz desembarcar direto no tempo da Belle Époque, quando nasceu a patrona da escola, que, além de poetisa e tradutora de primeira linha, movimentou a vida cultural e estudantil da sociedade carioca e atuou em movimentos de defesa dos direitos da mulher.
Anna Amélia nasceu no Rio de Janeiro, em 17 de agosto de 1896, mas passou a infância em Itabirito, Minas Gerais, onde seu pai, José Joaquim de Queiroz Júnior, abriu a primeira siderúrgica do Brasil: a Usina Esperança. Apaixonada por futebol, esporte até então só praticado pelos rapazes da elite, traduziu um livro com as regras do jogo e chegou a pedir a seu pai uma botina de sola grossa para jogar bola. Mais que isso, ensinou o esporte aos operários da fábrica, tendo apitado várias partidas entre eles.
Como era comum entre as famílias da elite da época, ela nunca frequentou uma escola regular, sendo educada por professoras particulares estrangeiras, que lhe ensinaram inglês, francês e alemão. Com isso, transformou-se em uma das melhores tradutoras de literatura de seu tempo, legado transmitido a sua filha mais nova, a crítica teatral Barbara Heliodora, que veio a assinar traduções de inúmeras peças do dramaturgo inglês William Shakespeare.
Volta ao Rio
Em 1911, Anna Amélia retornou ao Rio de Janeiro, quando publicou, com o patrocínio dos pais, seu primeiro livro, Esperanças, Recordações de Infância. As 22 poesias foram bem recebidas pelos colunistas literários da época, a exemplo de Barbosa Lima Sobrinho e Austregésilo de Athayde. Em maio de 1913, ao assistir a um jogo do América, conheceu o goleiro Marcos de Mendonça, que a fez suspirar ao se aproximar da arquibancada, durante o intervalo da partida. O casamento saiu em 1917, quando Marcos de Mendonça vestia a camisa do Fluminense. Cinco anos depois, Anna Amélia publicou, em seu segundo livro, Almas, uma das poesias que havia feito para ele.
“Foi sob um céu azul, ao louro sol de maio
Que eu te encontrei, formoso como Apolo
E o meu amor nasceu, num luminoso raio,
Como brota a semente à umidade do solo”
Rainha dos estudantes e feminista
Os saraus promovidos pelo casal, dos mais concorridos da cidade, costumavam contar com a presença de figuras ilustres. Nesse espírito que animava os salões da elite carioca, Anna Amélia fundou, em 1929, junto com Paschoal Carlos Magno e outros nomes, a Casa do Estudante do Brasil (CEB). O espaço logo ficou conhecido por seus recitais, quermesses, torneios esportivos e iniciativas de assistência aos estudantes mais pobres. Nesse mesmo ano, apesar de nunca ter frequentado uma escola formal, a poetisa foi eleita Rainha dos Estudantes e presidente da CEB, cargo exercido até sua morte, em março de 1971.
Além das atividades literárias e voltadas para o meio estudantil, Anna Amélia também participou de movimentos em prol da emancipação feminina. Foi vice-presidente da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino e a primeira mulher a ter uma função em um tribunal eleitoral (na mesa apuradora da eleição de 1934). Representou o país no I Congresso Feminista Internacional da Woman League International, realizado em Istambul, em 1935, sendo delegada do Brasil na Comissão Interamericana de Mulheres, entre 1941 e 1943.
Em 1944, mudou-se com o marido e as filhas para o Solar dos Abacaxis, no Cosme Velho, um palacete construído no melhor estilo neoclássico por seu bisavô, o comendador Borges da Costa, em torno de 1850. O hábito de receber a sociedade continuava. Os salões da nova residência se abriram inúmeras vezes, inclusive para receber o diretor de cinema italiano Franco Zefirelli e a protagonista do filme E o Ventou Levou, a atriz Vivian Leigh, que passou pelo Rio na década de 1960.