O mais representativo artista do período colonial do Rio de Janeiro merece figurar no panteão dos maiores talentos brasileiros daquele tempo e ter seu nome sempre lembrado pelos cariocas. Ele é patrono de uma escola municipal localizada no bairro de Anchieta (6ª CRE), a E.M. Mestre Valentim, que faz uma justíssima homenagem a esse gênio da escultura, prataria, ourivesaria, bronzagem, arquitetura, urbanismo, paisagismo e desenho. Afinal, ele, que assina a ornamentação de várias igrejas da cidade, foi o responsável pelo projeto e pela execução do primeiro espaço público de lazer do Brasil: o Passeio; e o primeiro a fazer esculturas em ligas metálicas em nosso país.
Apesar de quase todo o trabalho de Valentim da Fonseca e Silva ter sido realizado no Rio, ele nasceu em Minas Gerais, provavelmente no ano de 1745, numa região mineradora a cerca de 300 km de Belo Horizonte, na localidade onde fica, hoje, o município de Serro. Tal como Aleijadinho, são poucas as informações sobre a vida do mestre, mas, segundo um artigo de Manuel de Araújo Porto Alegre, publicado em 1856 na revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, ele era filho de uma escrava e um português. O pai, um contratador de diamantes (aquele que tinha licença para explorar as pedras), o levou para Lisboa, em 1748, onde ficou até 1770, data em que retornou ao Brasil e se estabeleceu na então capital da colônia. Durante o tempo que passou em Portugal, estudou artes, arquitetura, urbanismo e escultura com os mestres lisboetas.
O primeiro registro que se tem de seu trabalho no Rio de Janeiro foi como auxiliar do entalhador Luís da Fonseca Rosa, na construção da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, localizada nas proximidades da atual Praça XV. Atribui-se a ele a talha dourada sobre fundo claro do retábulo-mor, decorado com motivos rococós, como guirlandas, buquês, laços e querubins. Mas é na Capela do Noviciado que muitos críticos de arte afirmam que ele mostrou todo o seu estilo, misturando os elementos típicos da arte rococó portuguesa a traços neoclássicos, sem, contudo, abandonar a talha dourada tão característica do período colonial brasileiro.
Vários templos católicos da cidade construídos ou reformados na época apresentam alguma marca de Valentim, a exemplo dos lampadários de prata e dos entalhes em madeira do Mosteiro de São Bento, e da Fonte das Saracuras, erguida no antigo Convento da Ajuda, que se localizava onde, hoje, fica a Cinelândia. Embora tenha sido demolido em 1911 para dar espaço à praça, o chafariz foi doado à Prefeitura, que o reinstalou na Praça General Osório.
Outras esculturas de aves pernaltas do mestre podem ser vistas no Memorial Mestre Valentim, instalado na antiga estufa das violetas do Jardim Botânico. Feitas em bronze fundido, elas compunham, originalmente, o Chafariz dos Jacarés, que era um dos principais destaques do Passeio Público. Na mesma estufa, encontram-se as estátuas da ninfa Eco e do caçador Narciso, confeccionadas em 1785 em pedra esculpida e em liga de estanho e chumbo.
O urbanista e paisagista
Na segunda metade do século XVIII, um forte surto de gripe atingiu o Rio de Janeiro, matando uma boa parte da população que vivia na região urbana da cidade. A principal fonte de contágio foi atribuída à fétida Lagoa do Boqueirão da Ajuda, onde os dejetos eram lançados. Foi nesse contexto de epidemia que o então vice-rei do Brasil, dom Luís de Vasconcelos, decidiu aterrar a lagoa (e o manguezal ao entorno) e contratar Mestre Valentim para construir um grande jardim público na área aterrada.
Na época, a ascensão dos valores científicos e iluministas na Europa fez aparecer uma nova concepção de jardim, que representaria a organização da natureza pela racionalidade humana e, ainda, seria desígnio de saúde, lugar que provia ar puro ao espaço urbano. Influenciado por essas ideias racionalistas – em que a ordem, a proporção e a simetria geométrica integravam a visão do belo –, Valentim projetou o primeiro espaço de lazer do Brasil, o Passeio Público, muito embora sua área em forma de hexágono irregular fugisse às regras da estética clássica.
O jardim concebido pelo mestre tinha um muro alto, entrecortado por janelas com grades de ferro, e um portão de acesso sustentado por dois pilares de pedra. Em seu interior, duas ruas principais formavam uma cruz, com uma grande praça ao centro, e várias outras, em diagonal, criavam desenhos geométricos diversos. No final da avenida que se abria a partir da entrada, havia o Chafariz dos Jacarés, por trás do qual se erguia um mirante para apreciação da Baía de Guanabara. E, espalhados por todo o parque, bancos e mesinhas para sentar e conversar. Não foi à toa que o Passeio logo se transformou no grande ponto de encontro da sociedade carioca setecentista.