Entre escolas, Cieps, creches e EDIs, a Rede Municipal do Rio de Janeiro conta com mais de 1.500 unidades de ensino, todas batizadas com nomes que contam muitas histórias de época. A maioria refere-se a personagens históricos que marcaram a vida cultural, social e política da cidade e do país, embora muitos deles, a despeito de sua relevância, tenham caído no esquecimento das novas gerações. É o caso de Júlia Lopes de Almeida (1862-1934), que dá nome à unidade de ensino localizada na Rua Almirante Alexandrino, 3.466, no bairro de Santa Teresa (1ª CRE). Ela foi a primeira escritora profissional do Brasil, tendo sido celebrada, nas duas primeiras décadas do século XX, como a maior romancista da geração que sucedeu Machado de Assis, antes da eclosão do movimento modernista.
Júlia era chamada de A George Sand Brasileira, em alusão à romancista francesa Amandine Aurore Lucile Dupin, que, com seu pseudônimo masculino, e em pleno século XIX, escrevia contra as convenções sociais que cerceavam a liberdade das mulheres. A analogia deve-se ao fato de nossa personagem ter defendido e apoiado a emancipação feminina quando a luta estava em seus primórdios. Ela foi uma das poucas a participar, no início do século XX, da série de conferências, inaugurada por Coelho Neto e Olavo Bilac, que gerou inúmeras polêmicas sobre o papel da mulher na sociedade brasileira. Teve também, ao lado de Bertha Lutz, participação ativa na criação da Legião da Mulher Brasileira, em 1919, e na organização do 1º Congresso pelo Progresso Feminino, em 1922.
A Falência, escrito em 1901 e apontado como a obra máxima de Júlia, exibe as contradições da sociedade machista, condescendente com os homens e implacável com as mulheres. O livro narra a história de Camila, casada com Francisco Teodoro, rico comerciante que vive em um palacete em Botafogo. Como ele é incapaz de se relacionar com as pessoas sem a intermediação do dinheiro e não lhe dá amor, ela, ciente de que ele tinha uma amante, também se acha no direito de buscar afeto nos braços de outro homem, até que o marido, falido com a crise econômica do Encilhamento, se suicida. A obra, na verdade, é uma acurada reflexão sobre os conflitos daquela mulher com as normas sociais.
Júlia Lopes de Almeida também foi abolicionista, posição evidenciada, principalmente, em seu romance A Família Medeiros, que, ambientado às vésperas da Lei Áurea, revela os sinais de falência da estrutura agrária assentada na exploração da mão de obra escrava. Mesmo aqui, a postulação do desenvolvimento das potencialidades femininas está presente por meio de Eva, personagem de 20 anos, culta e de caráter independente, que critica a passividade das mulheres e propõe uma nova ordem social, em oposição às tradições aristocratas e agrárias da família.
Trajetória e engajamento
Filha de imigrantes portugueses, Júlia Valentim da Silveira Lopes nasceu no Rio de Janeiro, em 24 de setembro de 1862. Passou seus primeiros cinco anos de vida em Nova Friburgo, onde a mãe administrava um internato feminino, de propriedade da família, enquanto o pai estudava Medicina na Alemanha. Quando ele retornou ao Brasil, já formado, em 1867, a família voltou a morar no Rio, mas isso não durou muito tempo, pois, cerca de dois anos depois, transferiu-se para Campinas. Nessa cidade, ela aprendeu as letras e conviveu com os intelectuais locais, que frequentavam a casa de seus pais, ponto de muitas reuniões sociais regadas a música e a declamação de poesias.
Foi na Gazeta de Campinas, aos 19 anos, que começou a escrever. Nesse jornal, em 1884, passou a assinar uma coluna que abordava assuntos femininos atravessados por um viés científico, tais como higiene, cuidados médicos, pedagogia, boas maneiras etc. No inverno de 1885, ao passar uma temporada no Rio de Janeiro, conheceu o poeta e jornalista português Filinto de Almeida. No ano seguinte, publicou a coletânea Contos Infantis e retornou a Portugal com a família. Em 1887, casou-se com Filinto, em Lisboa, logo após a publicação de Traços e Iluminuras, e, em 1888, retornou ao Brasil, com os romances Memórias de Marta e A Família Medeiros já escritos.
Com a Proclamação da República, o marido foi convidado a exercer o cargo de redator-chefe de um jornal de São Paulo. Foi nesse período que ela se consagrou como escritora. “A possibilidade de uma mulher conciliar a administração do lar com um trabalho literário, do mesmo nível qualitativo da produção masculina, vinha demonstrar a inconsistência dos mitos machistas que vedavam o acesso às profissões liberais a todo o gênero feminino. Ela torna-se modelo a ser seguido por toda uma legião de mulheres talentosas que afloram pelo Brasil”, explica a socióloga Leonora de Luca em seu artigo O “Feminismo Possível” de Júlia Lopes de Almeida.
Quando voltou ao Rio, com marido e filhos, Júlia foi morar em Santa Teresa e viveu um dos momentos mais produtivos como romancista. Publicou algumas daquelas que são consideradas suas melhores obras (A Viúva Simões, A Falência e o livro de contos Ânsia Eterna), e sua residência virou um ponto de encontro tão efervescente culturalmente que ficou conhecida como “a embaixada literária de Portugal no Brasil”. É que os saraus literários e musicais que promovia junto com Filinto, nos salões de casa, reuniam artistas como o pintor Eliseu Visconti, escritores como Aluísio Azevedo e poetas como Olavo Bilac.
Até ir a Paris em 1914, Júlia escreveu folhetins em capítulos, depois transformados em livros bem-sucedidos, para os jornais Gazeta de Notícias, O País e Jornal do Commercio. Também compôs peças para teatro e participou de diversas conferências em defesa da condição feminina. O prestígio do casal nessa época era tão grande que ultrapassou os limites da comunidade lusófona. Em 1914, foram apoteoticamente recepcionados em Paris pela intelectualidade francesa, num banquete para 400 pessoas. A ideia de ambos era permanecer na Europa por uns tempos, mas, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, voltaram para o Brasil.
O engajamento de Júlia nas lutas feministas ultrapassou a fronteira brasileira. Convidada pela Biblioteca del Consejo Nacional de Mujeres de la Argentina, participou de conferência em Buenos Aires, em 1922. Esse ano, no entanto, não foi muito feliz para ela. Perdeu mais dois de seus seis irmãos (só ela e a caçula, Aline, continuavam vivas) e sua saúde dava sinais de declínio.
Em 1925, talvez pelo fato da filha mais velha, Margarida, ter sido agraciada com uma bolsa de estudos em Paris, ela e o marido se mudaram para a capital francesa, onde viveram até 1932. Mas, no retorno ao Brasil, já estava muito doente. Morreu no Rio de Janeiro, em maio de 1934, antes de completar 72 anos.