A palestra de Maria de Lourdes Araújo Trindade, professora da Universidade Estácio de Sá e mestre em Educação pela PUC-Rio, aconteceu na manhã de 20 de setembro, terceiro dia da V Semana de Alfabetização. Com o tema “As experiências das crianças na cidade e o trabalho de alfabetização”, sua fala destacou que, atualmente, a sociedade se encontra num momento de passagem – do processo antigo de memorização de conteúdos para a ação que envolve o aluno e faz com que seja mais participativo. Para acompanhar a tendência, alguns requisitos são demandados aos professores: rever a forma de organização da sala de aula para permitir que as pessoas se toquem e se olhem; aprender a lidar com mais agitação; e reverter a ideia do que é disciplina. “É preciso trazer uma história viva, que diga respeito ao universo da criança, mostrando que ela também faz parte”, ressaltou.
Conhecimento em tempo real
Para exemplificar este novo modelo mental, Maria de Lourdes apresentou um vídeo da filósofa e professora Viviane Mosé, no qual o conceito de sociedade em rede, formulado por Manuel Castells, aprofundava a perspectiva. “Num mundo totalmente informatizado, é necessário transformar o professor e o aluno em pesquisadores, repensando o papel da Educação nesta sociedade globalizada”, lembrou, ao fim da exibição.
A partir daí, passou a listar algumas recomendações importantes que os educadores não deveriam perder de vista diante de suas turmas. A começar por estimular nelas a capacidade de aprender – conhecimentos, habilidades e formação de atitudes. Em seguida, fazê-las compreender o ambiente natural, o sistema político, tecnológico, as artes e os valores sobre os quais se fundamenta a sociedade. “A convivência na cidade também é educação.”
Em relação ao domínio das linguagens – escrita, gráfica, oral, gestual... – sugeriu uma atividade na qual se pede às crianças para anotar o que veem no caminho de casa para a escola. “Crianças adoram mapas e eles são textos que precisam ser decifrados. Podemos pedir a elas para descobrir, por exemplo, quais são os bairros que têm escolas de samba, quais são os bairros vizinhos, e o que significam bairros maiores do lado oeste da cidade – quando se pode aproveitar para falar da história da ocupação.”
A partir do uso do noticiário, Maria de Lourdes também recomenda discutir sobre atualidades e, nesse contexto, estimular que os alunos aprendam a construir uma argumentação crítica e autônoma, sempre que possível voltada para a solução de problemas e com elaboração de propostas. “Educação, hoje, é acessar, interpretar e partilhar os dados, tendo o professor no papel de mediador. Precisamos reinventar nossa relação com o saber. Quando se ama o lugar onde se vive, tudo flui melhor. A rede pública tem um trabalho importante, que precisa ser divulgado.”
As boas experiências na prática
Ana Maria Balla apresentou no evento um trabalho realizado com duas turmas de 2º ano na E.M. Professor Visitação (3ª CRE), chamado “Confabulando sobre o meio ambiente”. No decorrer do processo convergiram, com naturalidade, conteúdos do primeiro bimestre, que tratou de fábulas e músicas regionais, e do segundo bimestre, que se voltava para a Semana do Meio Ambiente. “Começamos falando que é preciso saber cuidar do seu corpo, da sua casa, da sua escola. Dali, essa visão se estende para o seu bairro, sua cidade e chega ao Planeta Casa, já que a sustentabilidade se tornou uma questão de sobrevivência”, frisou Ana Maria.
Na primeira fase, conhecida como Momento Delícia, foram feitas leituras, interpretação e conversa informal sobre o tema, em roda ou individualmente, com livros ou tablets, e direito até a saborear um lanchinho. “Ali pude saber das práticas deles em casa, sugeri como não produzir tantos resíduos domésticos, o bom uso da água e da energia elétrica, e vi que muitos já tinham essa consciência. Depois deixei que eles produzissem seus trabalhos de modo livre, sem se sentirem fiscalizados. Nesse percurso, iam aprendendo o padrão ortográfico, reescrevendo, corrigindo uns os trabalhos dos outros. Estamos conectados, o tempo inteiro, em sala de aula. Quando surgem dúvidas, recomendo pesquisarem na internet. Por isso, eles já sabem que a pesquisa tem que ser a base de tudo. São crianças ativas e extremamente felizes.”
Como as turmas tinham se apaixonado pela fábula A cigarra e a formiga, de Esopo, na segunda fase da atividade sugeriram produzir imagens para ilustrar o tema da preservação num diálogo entre as duas personagens via rede social, que se transformou no Mural Whatsapp. Foi constituída entre elas uma banca examinadora e escolhidos os trabalhos finalistas. “As crianças iam produzindo sem perceber, com muita alegria, um trabalho lindo, cheio de emoticons. Por sugestão de uma aluna, aproveitamos o material que tinha sido usado para comemorar o Dia das Mães num outro mural dedicado ao Planeta Casa. Acredito que tenha sido fixada na mente deles a responsabilidade do cuidado.”
Cidade como ponto de partida
Denise Barreto de Resende, do Ciep Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (9ª CRE), teve a sorte de acompanhar a mesma turma de alunos durante os cinco primeiros anos na escola. Em 2015, em homenagem aos 450 anos do Rio de Janeiro, a turma, então no terceiro ano, aceitou a proposta de realizar o trabalho “As belezas do Rio aos olhos encantados de uma criança”. “A ideia não era falar só sobre pontos turísticos, mas sobre locais de boas lembranças ou, então, que eles desejassem conhecer. O objetivo principal era contar uma história a partir de sua vida cotidiana”, explicou Denise. “Era importante que eles entendessem que a história da cidade não está dissociada da nossa.”
Com a colaboração do professor de Artes, Marcos Morem, a professora, então, propôs a criação de desenhos e pinturas, que deveriam receber um nome e descrição, para serem exibidos na Feira do Conhecimento. De tão bons, os quadros jamais saíram da parede e ficam em exposição permanente na escola. “Outro dia, um menino saiu para beber água e demorou a voltar. Quando perguntei o motivo, ele disse que estava explicando para outra criança, que era nova na escola, como a turma dele tinha feito aquilo tudo. Temos, aí, um movimento de reconhecimento do protagonismo, que é fundamental”, destacou.
Em 2016, quando já estavam no 4º ano, houve mais um desdobramento, através da professora da Sala de Leitura, Cristina Brandão, que perguntou: sabiam que esses quadros também são poesia? Partiu dali a proposta para transformar aquelas imagens em poemas. Foram promovidas rodas de leitura para ler poesia em voz alta. A turma se dividiu em grupos por afinidade, fazendo uma revisão, uma reescrita e até o pensamento reflexivo. “Foi uma surpresa maravilhosa! Na hora da apresentação, tivemos performances em estilo de rap, declamação em coro e até dramatização dos poemas. A alfabetização ganhou o status de processo discursivo e, a sala de aula, de lugar de encontro.”