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A séria leveza de Vila Isabel
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Publicado por Sandra Machado em 02/12/2014

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Conhecido em todo país pelos versos de Noel Rosa, o bairro reproduz, no calçamento da principal avenida, partituras de vários mestres da MPB. Nas décadas de 1920 e 1930, era o polo boêmio da cidade, onde se reuniam os apreciadores da boa música e, especialmente, do samba. Até hoje, no período que antecede o carnaval, um projeto realiza apresentações de grandes artistas na quadra da escola Unidos de Vila Isabel: é o Casa de Bamba, batizado com o nome do primeiro sucesso de Martinho da Vila, outra celebridade deste lugar, em que o carioca aproveita a vida sem perder seu olhar politizado.

 

Primórdios da Vila

A área onde se situa Vila Isabel pertencia à Companhia de Jesus desde 1565. A chamada Fazenda dos Macacos tinha como limites o Rio Joana, o Caminho do Cabuçu – como era conhecida a atual Rua Barão do Bom Retiro – e a Serra do Engenho Novo, e se dedicava ao cultivo de cana-de-açúcar. Em 1759, a ordem dos jesuítas foi expulsa do país a mando do Marquês de Pombal, e a área se tornou propriedade da Coroa Portuguesa. Mais adiante, em 1829, quando se casou pela segunda vez, d. Pedro I ofereceu aquelas terras à esposa, Amélia de Beauharnais, a Duquesa de Bragança.

VI7Mas foi apenas durante o reinado de d. Pedro II, ou, melhor dizendo, durante as regências interinas da Princesa Isabel, quando ele viajava, que a feição do bairro começou a ganhar identidade. Em 1872, João Batista de Viana Drummond, que 15 anos mais tarde viria a se tornar o Barão de Drummond, comprou a Fazenda dos Macacos. De visão empreendedora, solicitou permissão para estabelecer uma linha de bonde com tração animal, que ligasse a região ao centro da cidade e, também, fundou a Companhia Arquitetônica de Villa Izabel, para a venda de loteamentos. Assim surgia o primeiro bairro projetado do Rio de Janeiro.

Desta maneira, muito antes do fim da escravidão no Brasil (1888), a Redentora Isabel, como ficou conhecida, já era homenageada na localidade, que sempre atraiu jornalistas e publicistas por causa de sua agitação cultural. A atmosfera privilegiada transformou o bairro em arena de ativistas do abolicionismo e, para sempre, sua memória ficou preservada pelos próprios logradouros: Senador Nabuco, Visconde de Abaeté, Souza Franco, Conselheiro Paranaguá e Torres Homem. Mesmo sua principal avenida, o Boulevard 28 de Setembro, foi batizada em referência à Lei do Ventre Livre, assinada pela princesa Isabel em 28 de setembro de 1871.

 

Polo de inovação

Deve-se ao Barão de Drummond o primeiro jardim zoológico do Brasil, inaugurado em 1888. Com o fim da monarquia, no ano seguinte, e as dificuldades de custear as despesas do parque, o barão encontrou uma solução criativa para levantar fundos: uma espécie de loteria diária, origem do conhecido “jogo do bicho”, que existe até hoje. Até os corpos dos animais mortos foram doados por ele para a coleção de taxonomia do Museu Nacional. O zoológico de Vila Isabel só fechou as portas na década de 1940, quando foi substituído pelo atual, que fica na Quinta da Boa Vista.

VI4Em Vila Isabel se instalaram algumas das primeiras fábricas da cidade, entre as quais se destacou a Companhia de Fiação e Tecidos Confiança Industrial, que funcionou de 1885 a 1964. De lá saiu o material usado nos uniformes das Forças Armadas brasileiras durante Segunda Guerra Mundial. A fábrica chegou a ter seu próprio time de futebol, o Confiança Atlético Clube, criado em 1915, e inspirou Noel Rosa a compor os versos iniciais de Três Apitos. Atualmente, tanto o prédio principal quanto a vila operária no seu entorno fazem parte da Área de Proteção do Ambiente Cultural (APAC) no bairro.

Terra de bambas

O principal cenário da infância de Braguinha, compositor mais conhecido por suas inúmeras marchinhas de carnaval, foi o bairro de Vila Isabel, já que seu pai, Jerônimo José Ferreira Braga Neto, era diretor da Fábrica de Tecidos Confiança. Durante o curso de Arquitetura, que não chegou a concluir, Braguinha adotou o pseudônimo de João de Barro, pássaro que é, também, um exímio construtor. Mais um nome importante da MPB que nasceu em Vila Isabel foi Orestes Barbosa. Jornalista influente, atuou como jurado do primeiro concurso de escolas de samba da Praça Onze, em 1932. Um ano depois, publicou o livro Samba, precursor da historiografia do gênero. Parceiro de vários compositores importantes, alcançou o auge da fama ao escrever a letra de Chão de Estrelas, com melodia de Sílvio Caldas.

VI5Mas, em Vila Isabel, o destaque absoluto está reservado para Noel Rosa. Já na entrada do bairro, um monumento em bronze ilustra a cena do cliente que bombardeia o garçom com sua longa lista de demandas, descrita no clássico Conversa de Botequim, de Noel e Vadico. Nascido em 11 de dezembro de 1910, morou por toda a vida na mesma casa, na Rua Teodoro da Silva, onde também morreu, aos 26 anos, vítima da tuberculose. Totalmente apaixonado pela Vila, eternizou esse sentimento em versos inesquecíveis. Como “a Vila é uma cidade independente”, de Palpite Infeliz, ou “São Paulo dá café, Minas dá leite e a Vila Isabel dá samba”, de Feitiço da Vila. Por essas e outras é que o Poeta da Vila pode ser considerado um verdadeiro agente de construção da identidade local.

Outro expoente da MPB contemporânea que assina suas obras usando o “sobrenome” do bairro é fruto de uma adoção. Na verdade, Martinho da Vila nasceu em Duas Barras, RJ, em 1938. Músico e compositor, Martinho também escreve para diversos jornais do país e já publicou 13 livros, alguns deles infantis. No Salão do Livro de Paris, no ano que vem, será lançada a versão francesa de seu romance Os Lusófonos. Intimamente relacionado à trajetória da escola de samba Unidos de Vila Isabel, que integra desde 1965, criou para a agremiação vários dos enredos mais consagrados, como Kizomba, a Festa da Raça, que deu à escola o título de campeã no ano do centenário da abolição da escravatura (1988).

A ligação do bairro da Zona Norte com a música é tamanha que pode ser reconhecida até numa simples caminhada. Para comemorar os 400 anos da cidade, em 1965, o arquiteto Orlando Magdalena, membro do Lions Club de Vila Isabel, sugeriu, e o músico Almirante selecionou 20 obras da MPB, cujos trechos de partituras foram desenhados, com pedras portuguesas, no calçamento do Boulevard 28 de Setembro, onde estão até hoje.

Mistura de samba e futebol

O Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos de Vila Isabel tem origem, na verdade, em um time de futebol que não deu certo. O ano era 1945 e existia um bloco de carnaval chamado Vermelho e Branco. Quando alguns componentes se desentenderam com o grupo, decidiram se separar e montar, primeiro, um time, cujas cores eram o azul e branco, de onde se originou um novo bloco, semente da atual escola de samba. Até que, no dia 4 de abril de 1946, Antônio Fernandes da Silveira, mais conhecido como Seu China, registrou a sociedade na União Geral das Escolas de Samba. No início, faltavam recursos e componentes – do primeiro desfile, participaram apenas 100 VI6pessoas. Até 1958, a sede da agremiação funcionava na casa do Seu China, fundador e presidente. Hoje a Vila Isabel tem a segunda maior quadra da cidade, com capacidade para 11 mil pessoas. Em 2013, foi mais uma vez campeã do Grupo Especial, com o enredo A Vila canta o Brasil, celeiro do mundo – água no feijão, que chegou mais um.

Devoção religiosa

Apesar da vocação natural para a boemia e para a folia, Vila Isabel também guarda um espaço destinado à fé. A Matriz de Nossa Senhora de Lourdes, por exemplo, teve origem numa capela que ficava na Praça Barão de Drummond, antiga Praça Sete de Março. Até 1900, pertencia à paróquia de São Francisco Xavier, mas foi emancipada com a criação da freguesia de Vila Isabel. Dois anos depois, foi filiada à Confraria de Nossa Senhora de Lourdes, na França. Em dezembro de 1914, autoridades políticas e eclesiásticas lançaram a pedra fundamental da igreja, situada no Boulevard 28 de setembro, cuja construção só foi concluída em 1943. Em maio de 1959, a matriz recebeu o título de Basílica Menor, concedido pelo Papa João XXIII, e se tornou patrimônio histórico no ano de 1990.

No fim da avenida central do bairro fica o Convento de Nossa Senhora da Ajuda, considerado a comunidade religiosa feminina mais antiga do país. A ordem data do século XVIII e se instalou definitivamente na Rua Barão de São Francisco na década de 1920, depois que os projetos de urbanização reformularam o Centro do Rio. Tombado em 2004, o convento abastece praticamente todas as igrejas da cidade com sua produção de hóstias. Já a Igreja de Santo Antônio de Lisboa, inaugurada em 13 de junho 1902, está localizada no alto do morro de mesmo nome, com acesso por uma escadaria na Rua Teodoro da Silva. Estrategicamente, Santo Antônio é, também, o padroeiro da escola de samba Unidos de Vila Isabel.

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