A proposta de construir um espaço de escuta com alunos do 6º ano surgiu do trabalho desenvolvido nos últimos anos na EM Felix Mielli Venerando (1ª CRE), no Caju. Esse trabalho evidenciou a demanda dos estudantes por um espaço de fala e escuta sobre o cotidiano escolar e a vida como um todo.
O ano de 2022 foi marcado por um fenômeno que mobilizou toda a comunidade escolar: a ocorrência de desmaios supostamente psicogênicos de duas alunas de uma turma de 6º ano da escola. Os desmaios se prolongaram por semanas a fio e, apesar de as meninas terem sido encaminhadas para acompanhamento médico, o diagnóstico não fora conclusivo.
Por isso, a equipe do Proinape, em parceria com um dos professores da turma, iniciou um percurso de trocas, reflexões e debates semanais sobre o desenvolvimento de alunos e alunas e passou a compartilhar conjuntamente suas intervenções, que tiveram a coordenadora pedagógica da unidade escolar como parte fundamental nessas discussões.
Ao oferecer um espaço de escuta que favorecesse a fala dos alunos – com diálogos, exibições de filmes e debates, exercícios teatrais, jogos com imagens – a ideia era proporcionar um ambiente em que os estudantes pudessem elaborar suas experiências dentro e fora da escola, de modo a abrir espaço para que suas expressões mais singulares tivessem algum eco.
O 6º ano também se destacou por ser o primeiro ano na unidade escolar e por marcar a passagem da infância para a adolescência para muitos dos estudantes, trazendo inúmeras questões e desafios tanto para eles como para a escola. Sem contar que 2022 foi um ano marcado pelo retorno às aulas presenciais pós-pandemia, o que gerou incerteza e insegurança tanto entre estudantes como entre profissionais do ensino.
No nosso trabalho, optamos por dividir a turma em dois grupos, pois consideramos que trabalhar com grupos menores favorecia a escuta atenta à singularidade dos sujeitos ali presentes.
Nossos encontros se iniciaram em maio, mas não na data prevista para a primeira atividade, por conta de uma operação policial no território – o que, aliás, compõe a realidade constante da região. Ainda assim, fizemos dez encontros semanais com cada grupo.
Depois desse momento com os alunos, organizamos um encontro com os professores para que pudéssemos apresentar o trabalho desenvolvido e propiciar um espaço de fala e reflexão com os profissionais envolvidos com a turma.
Embora seja difícil apontar resultados precisos para esse tipo de trabalho – que inclui não somente os encontros realizados com a turma, mas também toda a mobilização vivenciada pela escola e seus atores nas discussões e reflexões em torno das questões ali suscitadas –, foi possível notar uma interação maior na turma e um deslocamento do estigma que se construía sobre ela. A turma, que podia ser vista (ou se enxergava) como problemática, deu indícios de ter percebido as singularidades que constituíam cada sujeito e cada coletivo da escola.
Também observamos, a partir de um determinado momento, a interrupção da ocorrência de desmaios, que antes chegavam a acontecer semanalmente. A aposta na oferta de um espaço de fala e escuta entre os alunos apontou para a possibilidade de produção de um lugar próprio daquelas crianças e adolescentes no espaço escolar, em uma situação que, no início do ano letivo, havia-se mostrado particularmente difícil.
ALBERTI, S. Esse sujeito adolescente. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos/Contra Capa, 2009.
SAVIANI, D. Escola e democracia. Campinas, SP: Autores Associados, 2008. (Coleção Educação Contemporânea).
SERRÃO, M.; BALEEIRO, M. C. Aprendendo a ser e a conviver: práticas colaborativas e dialógicas no contexto escolar. São Paulo: FTD, 1999.