Em 22 de ourubro de 1954 morreu um escritor que ocupa um lugar todo especial na literatura brasileira: Oswald de Andrade, um dos maiores expoentes da Semana de Arte Moderna de 1922 que também dá nome ao Ciep Oswald de Andrade, no Parque Anchieta (6ª CRE). Suas propostas culturais e literárias – resumidas nos manifestos Pau-Brasil e Antropofágico – apontavam para uma radical ruptura com a “poesia bibelô” dos academicistas. Os novos cânones apresentados por ele contribuíram para o processo de modernização da cultura do país e impactaram não apenas a lírica de sua geração, mas também a de várias outras. Os concretistas dos anos 1950, os tropicalistas dos 1960 e os poetas marginais da década de 1970 são exemplos de como o legado oswaldiano influenciou a produção cultural por décadas.
Filho de uma família abastada, José Oswald de Souza Andrade nasceu em São Paulo, em 11 de janeiro de 1890, quando a República ainda nem sequer tinha completado dois meses de idade. A vocação literária sempre contou com o apoio de dona Inês – sua mãe, irmã do poeta Inglês de Souza –, e foi com sua ajuda que fundou, em 1911, o semanário de crítica e humor O Pirralho, onde publicou seus primeiros trabalhos. Em fevereiro do ano seguinte, interrompeu os estudos na Faculdade de Direito para fazer uma viagem à Europa. Em Paris, manteve contato com a boemia estudantil e o movimento futurista, que propunha inovação artística e adequação aos novos tempos. Retornou ao país antes do previsto, em setembro, em razão da morte da mãe.
O futurismo e o rumo tomado pelas artes europeias não seriam os únicos fatores a influenciar as ideias do escritor. Tornava-se cada vez mais urgente ao Brasil daquele tempo fazer rupturas com o passado colonial, aristocrático e oligárquico, para incorporar os novos segmentos sociais que emergiam na República. O Manifesto da Poesia Pau-Brasil, de 1924, reveste-se, assim, de grande importância histórica, ao defender a simplicidade formal e a originalidade nativa (de exportação), em contraposição à erudição reprodutiva das elites (de importação).
O projeto oswaldiano, na verdade, era um convite ao abandono do estado contemplativo, dos versos simétricos, das fórmulas cheias de regras, dos preconceitos das elites contra o país e o povo. Era um estímulo à simplicidade poética, ao neologismo, à valorização da cultura nacional e à construção de novos sentidos que enaltecessem os “fatos estéticos” da terra: os casebres da favela, o carnaval, o vatapá... Para Oswald, a arte precisava descobrir o que nunca havia sido construído anteriormente, tal como ele expõe em sua poesia 3 de Maio, publicada em 1925, no livro Pau-Brasil:
"Aprendi com meu filho de dez anos
Que a poesia é a descoberta
Das coisas que eu nunca vi”
Apesar dessa ânsia pelo novo, Oswald não negava o passado. Ele propunha uma redescoberta do Brasil: a instauração de um novo ponto de vista que revelasse e desvendasse o processo de colonização, com o objetivo de ressignificar o presente para projetar perspectivas para o futuro. A construção dessa relação entre tradição e ruptura, de acordo com Juliana Santini, professora de Literatura da USP, se entrelaçou, por um bom período, com a obra de Tarsila do Amaral, com quem ele era casado na época (ela foi sua segunda esposa; com a primeira, a francesa Kamiá, que conheceu em Paris, ele teve um filho).
O relaciomento entre Tarsila – que ilustrou a primeira edição de Pau-Brasil – e Oswald resultou em um projeto estético coeso: “Literatura e pintura encontraram, na confluência de traços, o mesmo espírito de um tempo em que o olhar da modernidade tingiu-se com as cores do primitivo, do arcaico, do nacional (...) Do verbal ao pictórico, uma única realidade estética se desenhou na interseção entre a poesia de Oswald de Andrade e a pintura de Tarsila do Amaral”, explica Santini em um artigo publicado pela Ícone, revista eletrônica de Letras da Universidade Estadual de Goiás. Dessa união artístico-amorosa também resultou o Manifesto Antropofágico (1928), que propunha a devoração do outro, para que ele fosse incorporado aos valores do antropófago com um novo sentido. Ou seja, acatava-se a tradição e a absorção da cultura estrangeira, mas jamais para reproduzi-las, e sim para dar a elas uma interpretação totalmente diferente, transformando-as a partir dos valores contemporâneos e nacionais.
Como a maioria dos artistas daquele tempo, Oswald se filiou ao Partido Comunista Brasileiro, em 1931. Esse seu posicionamento político pode ser observado no prefácio de Serafim Ponte Grande (1933), no livro A Escada Vermelha (1934), nas peças teatrais O Homem e o Cavalo (1934), A Morta e O Rei da Vela (ambas de 1937) e nos romances Marco Zero, a Revolução Melancólica (1943) e Chão (1945, data em que ele rompe com o PCB). Nesse período de militância, teve três novos casamentos e mais um filho, Rudá, fruto de sua união com Patrícia Galvão, a Pagu, de quem se separou em 1936. Nesse mesmo ano, uniu-se à poetisa Julieta Bárbara e, por fim, em 1944, casou-se com Maria Antonieta D’Aikmin, com quem viveu até a morte, no ano de 1954.
Para o crítico literário Sábato Magaldi, a linguagem oswaldiana, durante o período de adesão ao PCB, não foi ofuscada pela ideologia. Segundo ele, as peças teatrais que Oswald escreveu, naquela época, tinham um caráter exacerbadamente vanguardista – quebravam a ilusão de realidade em torno da representação para criar um canal de comunicação mais direto com o público – e, por isso, sequer foram encenadas enquanto ele estava vivo. Isso só aconteceu na década de 1960, quando o espírito de contestação política levou o grupo do Teatro Oficina a montar O Rei da Vela. Mas, para os estudiosos, a mais evidente expressão do ressurgimento de Oswald ocorre com o tropicalismo, com sua irreverência, iconoclastia e característica antropofágica, que deglutia tudo o que havia de novo na pop music internacional para transformá-la em novas ideias nacionais.