Início > Pensando Educação > O poder da brincadeira no Desenvolvimento Socioemocional
Início > Pensando Educação > O poder da brincadeira no Desenvolvimento Socioemocional
Pensando a Educação
O poder da brincadeira no Desenvolvimento Socioemocional
Texto
Publicado por Rakel Andrade em 10/04/2025

A brincadeira é muito mais que um momento de diversão - é a linguagem secreta das crianças, uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento socioemocional.

Durante minha prática clínica, presenciei um momento revelador: Iuri, um menino de seis anos com dificuldades para controlar a raiva, pegou um fantoche e, pela primeira vez, expressou através do boneco: "Não gosto quando pegam meus brinquedos!". Naquele instante, percebi algo que os livros de psicologia não conseguiram me mostrar tão claramente: brincar é a forma mais pura que as crianças têm de entender e expressar o que sentem. O jogo simbólico e a ludicidade são portas de entrada para a regulação emocional e a comunicação infantil.

No consultório, criei um "mercado" diferente: o "Supermercado das Emoções". Lá, em vez de comprar frutas ou verduras, "negociamos" sentimentos. Clara, de 9 anos, chegou em casa dizendo à mãe: "Estou com uma raiva pequena, igual à que comprei no mercado da tia Rakel!". Era a primeira vez que nomeava o que sentia com tanta clareza.

A neurociência do brincar

A neurociência comprova: quando uma criança brinca, o cérebro trabalha intensamente e áreas cerebrais ligadas à criatividade, resolução de problemas e controle emocional são ativadas. Um estudo realizado em escolas do Rio de Janeiro mostrou que as crianças que brincam diariamente aprendem a trabalhar em grupo, brigam menos e passam a expressar melhor seus sentimentos.

Vygotsky, famoso psicólogo russo, já afirmava nos anos 1930 que brincar cria uma "zona de desenvolvimento proximal", um espaço de treino para a vida real, onde crianças experimentam papéis sociais e desenvolvem empatia, resiliência e criatividade. No Brasil, escolas que adotaram essa abordagem observaram alunos resolvendo conflitos com palavras, não com agressividade.

A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) reconhece o brincar como um direito de aprendizagem. Países como Finlândia e Estados Unidos utilizam o SEL (Social-Emotional Learning) com jogos para desenvolver autoconhecimento emocional, habilidades sociais e tomada de decisão responsável.

Projetos brasileiros como "Heróis das Emoções" demonstram que, quando a escola incorpora elementos lúdicos (missões, desafios, recompensas simbólicas), o engajamento aumenta significativamente. Professores relatam que crianças tímidas passam a se expressar com mais facilidade e os conflitos no recreio diminuem.

Por que subestimamos o brincar?

Muitas escolas ainda separam "brincar" de "aprender", como se fosse um luxo, não uma necessidade. O sistema educacional atual, obcecado por resultados mensuráveis, corre o risco de formar profissionais tecnicamente competentes, mas emocionalmente frágeis. Se a escola é um espaço de preparação para o mundo, por que negar às crianças a chance de praticar, em ambiente seguro, as mesmas habilidades que usarão no futuro?

Neurocientistas e educadores concordam: a aprendizagem significativa acontece quando as emoções estão envolvidas. O faz-de-conta é um treino para a vida real. O castelo de blocos que desmorona ensina resiliência. A regra negociada em uma brincadeira desenvolve diplomacia e outras habilidades sociais. Cada mundo imaginário, cada história inventada estimula a criatividade e a capacidade de resolver problemas.

Vivemos na era do edutenimento, do inglês edutainment (entretenimento educativo), onde plataformas como YouTube e TikTok disputam a atenção infantil e a publicidade se apropria da linguagem lúdica para fins comerciais, como bem demonstra o projeto Criança e Consumo do Instituto Alana.

Se a escola não ocupar esse espaço, a mídia o fará, muitas vezes de forma pouco saudável. Jogos como Minecraft já são utilizados em escolas finlandesas para ensinar colaboração. Mas é crucial equilibrar o digital com o brincar humano. Como alerta o pedagogo Francesco Tonucci: "O brincar que importa é o que suja as mãos de terra e exige olho no olho".

Conclusão: brincar é aprender a ser humano

Diante de tantas evidências, por que ainda colocamos o brincar em segundo plano? Educar não é apenas encher mentes de conteúdo, mas cultivar emoções através da experiência. Afinal, quem não compreende o valor de uma boa brincadeira, não entende verdadeiramente como se desenvolve uma criança.

A ludicidade não é opcional - é importante para formar adultos emocionalmente saudáveis. Como disse Carlos Drummond de Andrade: "Brincar não é perder tempo, é ganhá-lo." A escola do futuro não será a mais tecnológica, mas a que souber transformar risadas em aprendizado. O desenvolvimento socioemocional pode começar com uma simples pergunta: "Vamos brincar?"

----

Rakel Andrade é psicóloga com especialização em Neurociências e Psicofisiologia, atua há mais de uma década na interface entre desenvolvimento cognitivo, saúde mental e processos de aprendizagem. Buscar integrar evidências científicas à sensibilidade clínica e à visão sistêmica, promovendo intervenções eficazes e sustentáveis. Na MultiRio, aplica seu conhecimento no Núcleo de Conexão Interna, na gestão estratégica de pessoas.

Mantenha-se atualizado com as iniciativas da MultiRio! Receba conteúdo exclusivo sobre educação, cultura e novas tecnologias aplicadas ao ensino, além das novidades sobre nossos projetos e produções.
Inscreva-se