Reconhecido como a música popular do Brasil por excelência, o samba não atingiu esse status à toa, sendo resultado, fundamentalmente, do esmero e da perseverança com que os precursores do gênero lidaram com sua arte – de início, marginalizada. Diante da repressão policial à realização de suas festas, fossem elas religiosas ou de entretenimento, os negros, pobres e excluídos, respondiam com uma forte rede de solidariedade, que primava sempre pela troca de experiências e pela inventividade.
Quando o Rio de Janeiro era a capital do império, levas de negros vindos da Bahia procuraram a cidade, após uma série de rebeliões ocorridas em Salvador, que tiveram seu auge em 1835, com a Revolta dos Malês. Da mesma forma, o Rio exerceu sua força de atração, intensificando as migrações rurais das populações beneficiadas pela série de leis abolicionistas, já a partir da Lei do Ventre Livre, de 1871. O convívio de várias etnias negras – em especial bantos, jêjes e nagôs – fez da metrópole o lugar ideal para a ocorrência de uma mistura musical única.
A fusão ia se dando especialmente nos zungus da zona portuária, onde levas de “baianos” conviviam com os recém-chegados do continente africano. Zungus eram casas coletivas, ocupadas por negros fugidos ou alforriados, geralmente localizadas na {{Pedra do Sal} Situada junto ao Porto do Rio, era um lugar estratégico para o comércio de sal e de escravos. Com o tempo, virou ponto para as rodas de samba, promovidas até hoje.}. Não há consenso em torno do nome. Há quem afirme ser o termo originado do quimbundo nzangu, cujo significado é “confusão barulhenta”, ou mesmo do idioma quicongo na palavra nzungu, que quer dizer “panela”. Alguns historiadores atribuem, no entanto, a origem de zungu às chamadas “casas de angu”, organizadas pelas quitandeiras negras, que não apenas socorriam os necessitados com o alimento principal da dieta dos escravos, mas também transformavam os zungus em verdadeiros pontos de resistência cultural, promovendo os cultos, os batuques e os jogos de capoeira.
As despretensiosas rodas, realizadas na casa da Tia Ciata, na Praça Onze, e na Pedra do Sal, no Morro da Conceição, ainda nos últimos anos do século XIX, se desdobraram em um sem-número de subgêneros espalhados não apenas pela cidade, mas por todo o país. Na região, conhecida como Pequena África, o compositor Ismael Silva fundaria, já durante a República, a primeira escola de samba carioca: a Deixa Falar, que saiu entre 1929 e 1931, durante a fase de estruturação dos futuros desfiles. Mesmo a remodelação urbanística completa da Praça Onze, nos anos 1940, que poderia ter sido interpretada como uma desvantagem, acabou funcionando como uma diáspora, a propagar o samba pelos subúrbios cariocas e associá-lo, definitivamente, à alma da cidade.
Para uma segunda fase, de conquista de público em âmbito nacional, contribuíram as emissoras de rádio, com catalisadores como o Programa Casé, e, também, a indústria fonográfica. O mais célebre dos discos é justamente aquele que inaugurou, com seu registro na Biblioteca Nacional, o reconhecimento do gênero: o samba Pelo Telefone, gravado em 78 rpm. Pesquisadores atribuem o sucesso, absoluto no carnaval de 1917, a uma criação coletiva, que teria acontecido em uma reunião do rancho Rosa Branca na casa da Tia Ciata, na qual estariam presentes não apenas Donga, mas também Sinhô e Hilário Jovino, baiano responsável por transferir as festas de ranchos e pastoris, realizadas tradicionalmente na época do Natal, para o carnaval.
“Até então, a palavra samba era usada como sinônimo de festa”, explica Pedro Paulo Malta, lembrando seu uso no samba Com Que Roupa, primeiro grande sucesso de Noel Rosa. Para o pesquisador de MPB, é espúria a discussão sobre se o samba tem origem baiana ou carioca, assim como a celeuma em torno da suposta esperteza de Donga, ao assumir, sozinho, a autoria do primeiro samba gravado. “O que foi visto pela história como um ato de esperteza também tem o seu lado bonito: foi Donga quem deu uma ‘certidão de nascimento’ àquele gênero que estava nascendo. E ele precisava de um parceiro respeitado como intelectual para referendar a obra”, ressalta Malta, numa referência ao jornalista Mauro de Almeida, que teria assinado a obra sem uma efetiva participação autoral.
Coube a outro jornalista, Mario Filho, a honra de propor, por intermédio do seu recém-criado jornal O Mundo Esportivo, a disputa coletiva entre as escolas de samba, ou seja, o primeiro desfile, realizado na Praça Onze. Diante do prestígio do evento, que rapidamente conseguiu não apenas angariar uma forte adesão popular, mas também a vinda de turistas, nada mais restou às autoridades do que encerrar a repressão policial. Segundo o Dossiê das Matrizes do Samba no Rio de Janeiro, publicado pelo Centro Cultural Cartola, apenas três anos depois do primeiro desfile a prefeitura oficializou a apresentação, estabeleceu subvenções financeiras às agremiações e passou a distribuir uma revista publicada em francês, inglês e espanhol com informações para os visitantes que, naquela época, já elevavam a taxa de ocupação dos hotéis da cidade durante o carnaval.
Originalmente, a palavra samba designava algumas danças de roda trazidas de Angola e do Congo pelos escravos. Sua raiz vem de semba, que no idioma quimbundo dos bantos significa “umbigada”. Para fazer um bom samba, é preciso reunir um elenco de respeito: tamborim, violão, pandeiro, cavaquinho, cuíca, surdo, repique, tarol e chocalho, a serem executados com uma típica marcação binária e com o ritmo sincopado. Mas, principalmente, contar com o talento de pioneiros como Donga, Sinhô, Ary Barroso, Lamartine Babo, Braguinha, Ataulfo Alves, Noel Rosa e seu parceiro Ismael Silva, ou de seu desafeto Wilson Baptista, numa riqueza que se renova há gerações, para a alegria geral da nação.